13
abr
12:20
13 de abril de 2021
A sociedade, como é sabido, está sempre em constante evolução e a família, que é considerada alicerce de um Estado próspero, também passa por essas modificações. Tanto é verdade que, primeiramente, só era considerada como família legítima para receber proteção Estatal àquela formada pelo matrimônio entre um homem e uma mulher e a filiação consanguínea advinda desse relacionamento.
Diante da necessidade de atender aos anseios sociais, o conceito de entidade familiar sofreu consideráveis modificações ao longo dos anos, abandonando a ideia tradicional. Assim, diversas outras composições familiares passaram a serem admitidas e receberem igual proteção do Estado.
Inclusive, o conceito de filiação, que anteriormente era apenas o biológico, também foi abandonado, sendo que a existência de afeto entre os indivíduos passou a ser o fator de maior relevância para determinação de parentesco.
Contudo, alguns conflitos entre parentesco biológico x parentesco afetivo surgiram e a solução dada pelo Direito para tanto era a exclusão de um dos parentescos para a sobreposição do outro. Entretanto, a consagração de um parentesco em detrimento do outro não atendia as expectativas de uma sociedade mosaica.
A título de exemplo: nos casos em que um casal se divorcia e a criança fica sob a guarda da mãe, recebendo visita do pai biológico aos fins de semana e mantendo com ele bom relacionamento, se essa mãe, futuramente, estabelecer nova comunhão e seu novo companheiro passar a ter bom relacionamento com seu filho, lhe dedicando amor, valores morais e assistência como se seu pai fosse, embora seja padrasto, o pai biológico perderia o parentesco com o seu filho? Obviamente não.
O instituto da multiparentalidade, então, visa solucionar esse embate, apontando que a melhor forma de acolhimento dos direitos da mãe, do pai, do padrasto e da criança é a admissão da coexistência de ambos os vínculos, biológico e afetivo, simultaneamente, sem que o reconhecimento da parentalidade afetiva exclua a biológica.
A efetivação desse instituto se dá pelo registro de ambos os parentescos no registro de nascimento da criança, bem como pela concessão de todos os efeitos jurídicos inerentes à filiação, atendendo, de maneira mais ampla, os princípios constitucionais do Direito de Família.
A multiparentalidade surgiu para propor outra visão da concepção consagrada pela jurisprudência de que “a parentalidade afetiva prevalece sobre a biológica”.
Tal concepção foi formulada a partir das decisões judiciais proferidas nos casos em que havia disputa entre parentalidades biológicas e afetivas, pois se acreditava que ambas não poderiam coexistir. Ou era uma ou outra, e a que se considerava mais “importante”, geralmente, era a parentalidade afetiva.
É certo que a consagração do parentesco afetivo é um grande avanço jurídico. Contudo, em que pese este reconhecimento, como o parentesco biológico era excluído, a criança perdia a filiação com o genitor (a) biológico (a) e, logo, com seus avós e demais parentes consanguíneos, ou seja, ocorria um afastamento natural entre estes.
Ora, se um indivíduo reconhece dois pais ou duas mães e recebe deles, ao mesmo tempo, assistência e amor, seria prudente a exclusão de alguma das parentalidades em detrimento da outra? Porque não se admitir ambas parentalidades, biológica e afetiva, ao mesmo tempo, para um mesmo indivíduo?
Nesse sentido, em 2013, nos autos da ação de ação nº 0038958-54.2012.8.16.0021 que tramitou perante a Vara da Infância e Juventude da Comarca de Cascável/PR, o Juiz de Direito Sérgio Luiz Kreuz se viu diante de “caso absolutamente inédito” que “decorre dos formatos familiares contemporâneos, para os quais o Direito nem sempre tem solução pronta, pacífica, consolidada”.
Isto porque, a ação versava sobre a adoção de um adolescente por seu padrasto, com a manifesta concordância do pai biológico. O autor da ação convivia com o adolescente desde que ele tinha 3 (três) anos de vida, com o qual mantém laços de amor e cuidado, sendo que o pai biológico, por sua vez, também mantinha relações de afeto com o adolescente e o visitava, praticamente, todas as semanas.
Consta da decisão:
“Restou evidente que no caso dos autos há duas filiações, nitidamente estabelecidas, uma biológica e registral e outra socioafetiva. Qual delas deve prevalecer? É possível a dupla paternidade? Fico imaginando o sofrimento psicológico pelo qual este jovem passou nos últimos tempos ao ter que tomar uma decisão tão difícil, ou seja, optar um por um ou outro pai. Por outro lado, o pai biológico, para atender ao interesse de seu filho, mesmo contrariado, consente em abrir mão da paternidade que sempre exerceu. Impossível não lembrar do julgamento do rei Salomão, em que a verdadeira mãe, também, para o bem de seu filho e para que este não fosse morto, abriu mão da maternidade. E assim, por ser verdadeira mãe, recuperou o filho (I Reis, 3, 16-28). As partes, digo, o genitor biológico e o pai socioafetivo, além da genitora e do próprio adolescente, provavelmente ignorando uma solução alternativa, já tinham tomado uma decisão, que evidentemente não atendia integralmente ao desejo do adolescente e muito menos do pai biológico.”
A situação em comento evidência as famílias mosaicas, reconstituídas e como o ordenamento jurídico não prevê amplamente tais situações, as soluções nem sempre não simples, de modo que são decisões efetivas apenas pela minuciosa análise de cada caso concreto, pois, ressalta-se, estamos lidando com seres humanos, subjetivos, e seus sentimentos, que nem sempre compreendem o direito positivado.
Para fundamentar a decisão pela multiparentalidade, aduz o magistrado que:
“Não se ignora aqui a polêmica que ainda paira sobre a temática. A jurisprudência contempla raríssimos casos de pluriparentalidade. Não se trata, evidentemente, de criar situações jurídicas inovadoras, fora da abrangência dos princípios constitucionais e legais. Trata-se de um fenômeno de nossos tempos, da pluralidade de modelos familiares, das famílias reconstituídas, que precisa ser enfrentado também pelo Direito. São situações em que crianças e adolescentes acabam, na vida real, tendo efetivamente dois pais ou duas mães. O princípio do melhor interesse da criança e do adolescente está em reconhecer, no caso dos autos, a dupla paternidade. Portanto, diante da realidade que se apresenta, de forma a privilegiar a dignidade, a igualdade e a identidade vê-se que o reconhecimento da dupla paternidade é imperativa, como forma de melhor atender aos interesses do adolescente.”
Salienta o magistrado que a multiparentalidade, em outras palavras, vai muito além do direito de ter em seu registro de nascimento o sobrenome daquele que se reconhece por mãe ou por pai, mesmo que não seja biológico.
Assim, por fim, concluiu o Dr. Sérgio que o Direito e o Judiciário devem prover mecanismos para nortear tais situações:
“É preciso registrar que A. é um felizardo. Num País em que há milhares de crianças e adolescentes sem pai (a tal ponto que o Conselho Nacional de Justiça, Poder Judiciário, Ministério Público realizam campanhas para promover o registro de paternidade), ter dois pais é um privilégio. Dois pais presentes, amorosos, dedicados, de modo que o Direito não poderia deixar de retratar esta realidade. Trata-se de uma paternidade sedimentada, ao longo de muitos anos, pela convivência saudável, pela solidariedade, pelo companheirismo, por laços de confiança, de respeito, afeto, lealdade e, principalmente, de amor, que não podem ser ignorados pelo Direito e nem pelo Poder Judiciário.”
Além da decisão acima, há diversas outras decisões judiciais que consagram a multiparentalidade em quase todos os Estados da Federação, de modo que é possível perceber que os Tribunais têm se mostrados simpáticos ao tema, por ser reflexo das entidades familiares modernas, bem como medida de justiça adequada para consagrar direitos e deveres em relação ao parentesco afetivo, sem a exclusão do biológico.
Com efeito, o Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, aprovou em 2013 enunciado sobre a multiparentalidade, sendo certo que tal enunciado serve de diretriz para interpretação e aplicação do instituto. Senão, vejamos: “Enunciado nº 9 do IBDFAM: A multiparentalidade gera efeitos jurídicos”.
A multiparentalidade, que se estrutura pelos princípios da afetividade, solidariedade, melhor interesse da criança, igualdade, dentre outros, em sua essência, nada mais é que a consagração do pluralismo familiar que, pelo corolário princípio da dignidade da pessoa humana, deve receber integral proteção do Estado.
Portanto, e logo, o ordenamento jurídico deve moldar-se aos novos arranjos familiares, visto que a multiparentalidade pretende legitimar e conferir efeitos jurídicos amplos ao parentesco socioafetivo, sem afetar ao biológico já existente.
Dedicou os últimos dois anos da graduação ao setor público, atuando como estagiária na Defensoria Pública do Estado de São Paulo, em banca relacionada à defesa de Direitos Sociais, tais como direitos à saúde, educação e moradia, atuando em grandes ações que envolviam reintegração de posse de áreas públicas e privadas na cidade de Guarulhos.
Após obter aprovação na prova da ordem, atuou, inicialmente, nas áreas cíveis relacionadas à propriedade e negócios jurídicos e à área de família e sucessões, nas quais possui vasta experiência e reconhecimento.
Em 2019, interessou-se pela área do Direito Eleitoral. Em 2020, passou a representar os interesses de partidos políticos e candidatos nas eleições municipais de Guarulhos, pelos quais obteve importantes decisões.
Em virtude da identificação e da primeira boa atuação, iniciou pós-graduação em Direito Eleitoral e Processo Eleitoral em uma das mais importantes escolas de São Paulo, a Escola Paulista da Magistratura.